Razões filogenéticas tornam necessários uma postura confortável e um ambiente relaxante e seguro para que a mulher dê à luz em segurança. Não houve tempo evolutivo suficiente para que a fêmea humana se tornasse livre de um antigo sistema de proteção do nascimento. Ainda hoje um mínimo de ansiedade fará substâncias químicas de seu corpo impedirem o parto.
A postura mais confortável será variável de fêmea para fêmea. Pode acontecer de ficar mais relaxada em casa, num hospital, na presença ou não de familiares. Ela estará bem no lugar e da forma que se sentir mais segura.
Nascido, o bebê humano mantém-se desperto, de olhos abertos fitando o mundo circundante por aproximadamente uma hora. Esse período que antecede ao sono é vital para o contato com a mãe; seria a primeira hora mágica entre eles, tendo o bebê nos braços, olhá-lo amorosamente configuraria um fortíssimo momento de íntima ligação entre mãe e filho.
Sabemos hoje que a visão do bebê é nítida numa distância de até 30cm (trinta centímetros), nem mais nem menos que a distância máxima do rosto da mãe. Sabemos também que reage mais fortemente a objetos curvos, grandes e brilhantes, estando dessa forma já programado para entrar no mundo respondendo à imagem ?materna?. Estudos realizados em Creta provaram que, com quinze minutos de nascidos, os bebês são dotados de uma forma de percepção que os torna capazes de imitar as alterações nas expressões faciais da mãe.
É muito importante que, ao seguir o nascimento, se separe o mínimo possível o bebê da mãe. Idealmente não deveriam nunca estar em salas separadas e deveriam ficar sempre juntos. Sem separações, no máximo em 45 horas os bebês identificam a mãe pelo odor corporal e a mãe, em contato íntimo com o bebê na referida primeira hora após o parto, conseguirá identificá-lo também pelo cheiro. Quanto ao som, em 3 noites, mesmo dormindo, a mulher reconhece o choro do filho, acordando instantaneamente, não ocorrendo o mesmo se o choro for de outro bebê. O bebê a partir de 16 horas de vida e até o final da primeira semana estará apto a identificar o som da voz da mãe.
Essa sutil e sensível interação faz sentido no caso de o processo de formação de vínculos ser, realmente, muito poderoso em nossa espécie. Simplesmente não sobreviveríamos sem ele.
O fato de mães e bebês permanecerem juntos após o nascimento varia enormemente. Entre as simples culturas tribais e as mais avançadas culturas ocidentais existe uma considerável proximidade, sendo a intimidade encorajada. Já nas medíocres culturas urbanas, o que acontece é potencialmente desastroso.
Ainda hoje temos hospitais onde o bebê recém-nascido é lavado, embrulhado e levado para o berçário, sem que a mãe tenha sequer a chance de lhe dar o seio. Nos dias seguintes trarão o bebê apenas por instantes para a amamentação. Finalmente, antes de sair do hospital a mulher será conduzida a uma sala na qual lhe será ensinada a técnica de envolver a criança em faixas decorativas. Embora não chore, talvez pela memória da sensação de constrição no útero, a imobilidade a que fica sujeita impede dramaticamente as intimidades de que deveria desfrutar com a mãe. Após ter enfaixado seu filho, a mãe passa à outra sala onde encontra o marido e familiares. Aí, então, todos olham para o pouco que ficou à mostra do bebê e, caminhando entre as flores, entre vidros e azulejos vão listando todas as expectativas, tudo o que será cobrado ao bebê por toda a sua vida.
A seguir, com ou sem o seu ritual de ?tribalização?, proclama-se sua chegada à sociedade à qual deverá integrar-se.
No lar, uma vez que não se pode agarrar à pele da mãe, o bebê terá de dar o melhor de si para mantê-la junto, custe o que custar. Por exemplo, uma boa crise de choro que, obtendo sucesso trará a mãe e fará com que o passo seguinte seja tentar mantê-la junto de si com um sorriso.
Do ponto de vista do bebê, a mãe nunca se afastaria. O problema é que as mulheres são muito ocupadas, diferentemente das outras fêmeas. Por essa razão, os primeiros e largos momentos da vida do bebê humano transformam-se numa sofisticada campanha de apelo ao apego. Há uma forte resposta dos pais ao que chamamos padrão infantil (child-motif; kinderschema): olhos grandes e redondos com grandes pupilas; testa extensa e arqueada; bochechas rechonchudas com queixo redondo; rosto plano com nariz pequeno e arrebitado; pele macia e suave. São características apelativas fazendo com que o adulto queira acariciar, beijar, conversar, cooperando para que o bebê se sinta seguro, reforçando o vínculo entre pais e filhos. O adulto que não corresponde, que assim não interage, estará invalidando arrasadoramente com esse potencial, obtendo resultados, sem dúvida, patogênicos. O choro ignorado ou qualquer outra iniciativa disciplinar, resulta no mínimo em crianças inseguras, com personalidades afetadas pela falta de amor no seu primeiro ano de vida. Bebês alimentados ao peito, acariciados, que não sofrem isolamento, sentir-se-ão mais amados e seguros tornando-se mais fortes e mais aptos para enfrentar o mundo. Berçários e carrinhos de bebê são comodidades e não felicidade!
Ao fim do primeiro ano, o bebê já começa a dominar a marcha, o balbucio, o entendimento de palavras simples, e tem 50% de chances de dizer sua primeira palavra.
Ao final do segundo ano, já constrói frases e enriquece velozmente seu vocabulário que, aos 24 meses, estará na faixa de 280 palavras, aproximadamente.
Aos 3 anos, a criança domina em média 1.000 palavras e torna-se mais hábil nas ações e jogos sociais, embora os pais continuem a lhe interessar mais do que as outras crianças.
Aos 4 anos, domina um universo de 1.500 palavras, demonstra imensa curiosidade mais sobre o mundo, do que por ela própria.
Aos 5 anos, as crianças conhecem para mais de 2.000 palavras e estão aptas para uma aprendizagem mais formal. Neste período, o cérebro atinge 90% do peso adulto. Esse ciclo que podemos chamar de educacional, é marcado pela lealdade ao grupo e a natureza unissexual desta fase será importante para a posterior construção de relacionamentos de novo e diferente vínculo sexual.
Chegamos à idade adulta com enorme capacidade de ação, construção, procriação de filhos e ideais e nos perguntamos porque ultrapassaríamos os 60 anos, instaurando o declínio do que anteriormente descrevemos? Uma boa resposta é a de que carregamos o maior fardo parental do mundo animal, e por essa razão faz sentido a invulgar duração de vida da nossa espécie.
Tornamo-nos avós, protetores e veiculadores da memória, do conhecimento, da continuidade cultural e com uma importante função biológica e psicológica de providenciar um apoio adicional às crianças, aliviando o fardo prolongado das jovens mães, facilitando desta forma o desenvolvimento dos humanos laços do amor. Nesse período, surge um problema exclusivo dos humanos: o receio da doença e da morte.
Os primórdios da consciência humana são intrinsecamente relacionais e impossíveis de serem atribuídos a um cérebro isolado. Nenhuma capacidade potencial do cérebro, nenhum encontro perceptivo entre este e qualquer elemento do ambiente impessoal como árvores, nuvens, nada que seja diferente do encontro com as emoções de um outro ser humano, poderá fornecer a base para a experiência consciente.
Certamente uma consciência dita primária está presente em outros animais, por isso encontramos evidências como o ?imprinting?. Percebemos uma estreita conexão entre o exercício dos sistemas motivacionais sociais e a capacidade de reconhecimento recíproco entre os animais quando se relacionam. Esta consciência é privada das narrações do passado e das antecipações do futuro, é puro presente; só a neocórtex humana permite o megadesenvolvimento da linguagem e da memória semântica. A sobreposição desta memória, relativa ao eu com o outro, às memórias ditas de valor-categoria da consciência primária, relativas ao inconsciente humano, permite atingirmos um estado superior de consciência. Os conteúdos e processos desta consciência superior agrupam-se primeiramente como emoções e imagens mentais e, posteriormente, como pensamentos verbalizáveis
O motivo original do desenvolvimento da fala foi a possibilidade de comunicação sobre o presente; criamos os pretéritos para inteligentemente utilizarmos os acervos de experiências anteriores e, para combinarmos planos de um novo amanhecer, criamos o futuro. Com ele contemplamos nossa imortalidade, que por sua vez insere nossa morte.
Esse confronto transformou-se no estigma humano. Crianças pequenas sofrem luto? Temem a morte? Sentem pesar?
A referência feita ao filme de Tim Robbins sobre a estória real de Sister Helen Prejean, no título deste trabalho, ocorreu muito menos por associação de que caminhamos para a morte, do que para atentarmos sobre a necessidade que temos do sentimento de um amor incondicional para restarmos vivos. Viver é amar e ser amado. O apego biológico é o substrato da vida.
O que nasce da união de um espermatozóide e um óvulo humanos é outro ser humano e nele há algo aparente no desenvolvimento do ser, construindo seu corpo e sua alma, dotando a criatura de personalidade, de boca, ossos, músculos, cérebro, de ações apropriadas, fazendo tudo isso funcionar antes do que normalmente chamamos de nascimento. Toda manifestação de vida humana corporal ou psíquica, saudável ou não, pensamento, ação ou função vegetativa pode ser atribuída a esse algo.
No momento chamado de nascimento, o bebê começa a respirar, agindo adequada e oportunamente, executa uma ação ?premeditada?. Existem semelhanças entre os chamados reflexos e nossa ação consciente. Devemos ponderar a possibilidade de que, aquilo a que chamamos manifestações conscientes, não passem de ações inconscientes dentro de um largo espectro que abrange desde a pulsão até a ilusão. Podemos considerar essas indicações como expressões oriundas do saber estruturante dos sentimentos como formas primitivas da mentalidade, e que para a formação de uma consciência, são virtualmente necessárias outras consciências, e também a constatação de que somos predispostos, por via inata, a uma vida de relações que se funda em bases reunidas como condutas sujeitas a regras. Cada forma de relação é um sistema de regras de conduta social a que chamamos de Sistema Motivacional Interpessoal (SMI). São cinco, esses sistemas:
Certamente hoje nosso interesse se restringirá aos primeiro e segundo sistemas.
Numa criança pequena, a experiência de separação ou perda da figura de apego é especialmente capaz de provocar processos psicológicos de tipos tão cruciais para a psicopatologia quanto o são, para a fisiopatologia, uma inflamação e sua conseqüente cicatriz. Também separações e perdas, numa fase precoce da vida, levam a uma disfunção mais ou menos grave de mutilação da personalidade.
Bowlby considerou insatisfatória a superestrutura metapsicológica da psicanálise clássica e desenvolveu um paradigma que abrange novas disciplinas da etiologia e teoria do controle.
Dessa forma, prescindimos de alguns conceitos abstratos, como o de pulsão, para termos conceitos psicológicos adequados à clínica psicanalítica, mas também compatíveis com os da neurofisiologia, da psicologia do desenvolvimento e afinados às exigências de qualquer disciplina científica.
Uma das vantagens atribuídas ao novo paradigma é a de explicar as muitas formas de sofrimento e aflição emocional, distúrbios psicossomáticos e distúrbios da personalidade como a ansiedade, a raiva, a depressão e o desapego emocional, originários de uma separação involuntária ou da perda.
Sabemos hoje que a capacidade da criança em reconhecer e lembrar de sua mãe desenvolve-se em dias, provavelmente semanas e meses, antes de sua capacidade para reconhecer e lembrar qualquer outra coisa ou qualquer outra pessoa. Isso porque a mãe tem uma importância afetiva e emocional para a criança maior do que qualquer outra pessoa ou objeto. Nada se compara à experiência de interação entre mãe e filho (figura de apego e criança).
Durante largo período, a criança mostra evidente aflição quando sua figura de apego não está presente. Mesmo quando recebe assistência de substitutos especializados, a aflição durante a separação e os elementos de busca estão presentes. Após o reencontro com a figura de apego original, a criança demonstra alguma recuperação, variável em tempo e em proporção, dependendo da extensão da separação e das condições em que foi cuidada durante esta experiência.
Consequências negativas desse afastamento involuntário (do ponto de vista da criança) sempre ocorrerão. Porém, as condições em que a criança foi cuidada durante o período no qual esteve separada da mãe ? permanente ou temporariamente ? influenciarão esse resultado. Um orientado e bom cuidado substituto mitigaria esses efeitos nefastos.
A título de reavivarmos nossa memória para a importância do assunto de que tratamos, citaremos alguns distúrbios para os quais essas perdas contribuem, como: suicídios; apegos angustiados - superdependência; depressões graves, classificáveis até como psicóticas; angústia catastrófica, acusação e culpa persistentes; hiperatividade; explosões agressivas e destrutivas; compulsão para cuidar; autoconfiança compulsiva; euforia e despersonalização; desapego emocional (desativação do comportamento de apego - exclusão defensiva dos influxos sensoriais); incapacidade para relacionar-se; incapacidade para amar ou se deixar amar; relações neuróticas. É imensa a lista de sofrimentos, mas optamos por descrever agora dois casos de internação hospitalar, um relato de creche residencial e a síntese expressiva do abandono numa frase infantil.
Gostaríamos de lembrar que crianças de determinado grupo etário, quando separadas de suas figuras de apego e colocadas num lugar desconhecido, com pessoas estranhas, sem ninguém como mãe substituta, destacam regularmente duas reações iguais numa mesma seqüência: a intensidade do choro aflitivo nos primeiros dias fora de casa e a intensidade de desligamento emocional em relação aos pais.
Psicanalista, diretora geral da Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia e regente da Clínica Holística da Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia.
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